José Cruz/Agência Brasil - Foto
Morreu nesta terça-feira (13), aos 89 anos, o ex-presidente uruguaio José Alberto “Pepe” Mujica Cordano, em Montevidéu. A morte foi confirmada pelo atual presidente do Uruguai, Yamandú Orsi, que prestou homenagem ao aliado e amigo: “Vamos sentir muito sua falta, velho querido! Obrigado por tudo que nos deste e por teu profundo amor pelo seu povo.”
Mujica lutava desde abril de 2024, contra um câncer no esôfago, que evoluiu para um quadro irreversível. Nos últimos meses, ele passou a receber cuidados paliativos e a viver de forma mais reclusa em sua chácara nos arredores da capital uruguaia, onde costumava cultivar flores ao lado da esposa, Lucia Topolansky. No último domingo (11), debilitado, não conseguiu votar nas eleições regionais.
Encontro de Lula com Pepe Mujica no Uruguai, em 2023 — Foto: Ricardo Stuckert/PR
Presidente mais pobre do mundo
Presidente do Uruguai entre 2010 e 2015, Mujica tornou-se conhecido internacionalmente como “o presidente mais pobre do mundo”. Dirigia um fusca dos anos 1970, morava em uma casa simples e doava grande parte do salário para ações sociais. Com seu estilo despojado e discursos marcados por filosofia política, defendeu valores como solidariedade, equidade e integração latino-americana.
Com Lula na Confederação Sindical das Américas - Ricardo Stuckert
De guerrilheiro à presidência
Nascido em 1935, Mujica começou a militância política ao integrar o Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, guerrilha urbana que combateu a ditadura civil-militar uruguaia nos anos 1960 e 1970. Foi preso quatro vezes, passou 14 anos na prisão — muitos deles em solitárias — e sobreviveu a seis tiros. Sua história de resistência foi retratada no filme Uma Noite de 12 Anos. Após a redemocratização, ajudou a fundar o Movimento de Participação Popular, dentro da Frente Ampla. Foi deputado, senador e ministro da Agricultura antes de chegar à Presidência.
No governo, aprovou reformas de forte impacto social, como a legalização do aborto, do casamento igualitário e da maconha, além de políticas de redução da pobreza e redistribuição de renda. Para o historiador Rafael Nascimento, da Universidade de Brasília, Mujica teve papel fundamental na queda da pobreza no país, de 39% em 2004 para 11,5% em 2015, além de ampliar o salário mínimo e investir na educação com a distribuição de laptops a alunos e professores.
Presidente Lula condecora Pepe Mujica em dezembro de 2024 - Foto: Ricardo Stuckert/Arquivo/PR
União da América Latina
Defensor incansável da união dos países da América Latina, afirmava: “Ou nos integramos, ou não somos nada”. Para ele, a cooperação regional era a única forma de enfrentar um mundo globalizado onde decisões geopolíticas e econômicas são tomadas fora do continente.
Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul
No fim de 2024, já adoentado, Mujica recebeu a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lhe entregou a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, maior condecoração brasileira para estrangeiros. “Entre todos os presidentes que conheci, Mujica foi a pessoa mais extraordinária”, disse Lula na ocasião. Em entrevista ao El País, meses antes de sua morte, o ex-presidente resumiu sua trajetória com a humildade que o marcou: “Me dediquei a mudar o mundo e não mudei nada, mas me diverti. E gerei muitos amigos e aliados nessa loucura de tentar melhorar o mundo. E dei sentido à minha vida.”
O corpo será velado no Congresso uruguaio, com honras de chefe de Estado, e seu funeral deve reunir líderes de todo o continente. O Brasil deverá enviar representação de alto nível, em reconhecimento ao homem que chamava a integração latino-americana de "sonho necessário".